O Livro Vive Para Lá das Páginas
Marketing Editorial como Estratégia de Ligação, Comunidade e Valor
Créditos Imagem: André Stachel e Rodrigo Mothé
Foi com grande satisfação que aceitei o convite da APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros para participar na terceira edição do evento Book 2.0, um encontro que considero vital para o futuro do livro, da leitura e da cultura em Portugal. Os meus parabéns à organização por um evento de enorme qualidade, com impacto não apenas no sector, mas na sociedade e na economia do país.
Tive a honra de representar a AMD no painel “Estratégias Digitais e Direitos de Autor”, ao lado da brilhante Joana Pinto, Advogada e Sócia da Antas da Cunha ECIJA, com moderação exemplar do Tiago Freire, Subdirector do ECO.
Este artigo nasce precisamente dessa partilha de ideias e tem como objectivo ir mais longe: transformar reflexões em orientações práticas sobre como o marketing pode servir o livro e potenciar o seu impacto.
Vender Continua a Ser o Maior Desafio
Quando me perguntaram quais os principais desafios da indústria do livro na vertente de marketing e comunicação, respondi de forma directa: vender continua a ser o maior desafio. Não basta editar boas obras. É preciso fazer com que cheguem às mãos certas, no momento certo e com o impacto desejado.
A verdade é que muitas editoras ainda encaram o marketing como um esforço pontual e secundário, em vez de o integrarem como parte estrutural do seu modelo de negócio. É necessário mudar esta orientação, com uma abordagem mais estratégica, mais orientada a resultados e, sobretudo, mais ligada às comunidades que os livros podem criar. Lançar um grande livro sem investir em marketing é como adquirir um automóvel extraordinário… e deixá-lo parado por falta de combustível.
Para Além das Páginas: O Potencial Transmedia
Uma das ideias centrais que defendi foi a necessidade de prolongar a vida do livro para lá do livro. Ou seja, pensar desde o início como aquela obra pode desdobrar-se em múltiplos formatos, canais e experiências.
Falamos aqui de estratégias transmedia, que podem incluir:
Personagens com presença autónoma nas redes sociais
Vídeos, podcasts, quizzes ou clubes de leitura digitais
Conteúdos complementares que gerem valor e engagement
Plataformas e hubs temáticos por género ou colecção
Experiências imersivas que reforcem a ligação com o universo narrativo
Partilhei em palco o excelente exemplo do autor Rui Couceiro, que organizou tours literárias no Porto com os seus leitores, visitando os locais centrais do seu romance Morro da Pena Ventosa. Uma ideia simples, mas poderosa, que reforça a ligação emocional com a obra e transforma leitores em verdadeiros embaixadores da história.
Créditos Imagem: André Stachel e Rodrigo Mothé
Construir Comunidade: Do Lançamento à Fidelização
O lançamento de um livro deve ser encarado como uma campanha de comunicação multicanal. Vídeos teaser, entrevistas, testemunhos, eventos híbridos ou contagem decrescente em redes sociais podem fazer toda a diferença.
Mas não basta lançar bem. É preciso sustentar a relação com os leitores ao longo do tempo. Aqui, o papel do autor como marca pessoal é cada vez mais relevante. A presença digital, os valores que transmite, a autenticidade das suas interacções, tudo isso conta. E tudo isso pode (e deve) ser estrategicamente trabalhado, orientado e apoiado pela editora.
Editoras Também São Marcas
Se os autores são marcas, as editoras também o devem ser. E, nesse sentido, deixo algumas ideias que qualquer editora pode começar a explorar de forma integrada:
Criar um podcast por género literário, com autores, leitores, editores e especialistas
Manter um blog editorial, com bastidores, sugestões e temas em torno das obras
Segmentar as suas comunidades: romances, infanto-juvenil, técnico, poesia, etc.
Activar clubes de leitura, desafios criativos e eventos online
Recolher e usar dados com responsabilidade para criar recomendações personalizadas
Estas iniciativas criam ecossistemas vivos em torno do catálogo da editora, tornando o marketing de cada nova obra mais eficaz, porque há já uma comunidade construída, interessada e activa. Nestas circunstâncias, cada futuro lançamento já leva meio caminho andado.
Estruturas Digitais e Estratégia de Longo Prazo
Além da presença nas redes sociais, é crucial criar activos digitais próprios e sustentáveis. Um site ou microsite de autor, de obra ou de colecção pode funcionar como hub de conteúdos, canal de vendas e ponto de contacto com os leitores.
Acrescento ainda dois pontos estratégicos:
SEO, AEO (Answer Engine Optimization), AIO (Artificial Intelligence Optimization) e GEO (Generative Engine Optimization): as editoras devem trabalhar os seus conteúdos para que sejam encontrados tanto nos motores de busca tradicionais, como nas novas plataformas com IA integrada (como o ChatGPT).
Email marketing e newsletters: segmentadas, com conteúdos de valor e com automações simples, continuam a ser um dos canais mais eficazes e com maior retorno.
Tecnologia e IA: Mais Oportunidade do que Ameaça
Foi-me perguntado se o livro corre o risco de “deixar de ser o livro” com tanta tecnologia. A minha resposta foi clara: não. O livro é a base. A tecnologia apenas amplia.
O digital e a IA trazem, naturalmente, desafios, como riscos de reprodução não autorizada ou de erosão de direitos autorais. Mas também trazem visibilidade, escalabilidade e novas formas de criação e ligação.
Hoje, a Inteligência Artificial pode ser usada para:
Criar capas, trailers, sinopses ou quizzes de forma assistida
Analisar tendências e optimizar campanhas
Gerar conteúdos complementares com base na narrativa ou nos temas centrais da obra
Desde que com critérios éticos, transparência e respeito pelo autor, estas ferramentas podem e devem, ser integradas nas estratégias editoriais.
Guia de Boas Práticas em Marketing Editorial
Deixo, agora com maior detalhe, um conjunto de boas práticas para qualquer editora que deseje elevar o impacto das suas obras através do marketing:
1. Começar com estratégia, não com redes sociais
Publicar posts não é uma estratégia. Definir objectivos, segmentos, mensagens-chave, canais e métricas — isso sim é marketing. A presença digital deve ser consequência de uma visão estratégica, e não apenas reacção à pressão de “estar nas redes”.
2. Planear o ciclo de vida completo da obra
O marketing de um livro começa antes da sua publicação e prolonga-se muito depois do lançamento. É importante planear acções de pré-lançamento, lançamento, pós-lançamento e reedições, com momentos de activação ao longo do tempo.
3. Investir na marca do autor como activo editorial
A notoriedade e reputação do autor são activos valiosos. A editora pode (e deve) colaborar na construção dessa presença — com formação, conteúdos, assessoria digital e apoio à comunicação. Um autor bem posicionado atrai leitores e oportunidades.
4. Construir comunidade antes, durante e depois do lançamento
A audiência não se conquista apenas no lançamento. Criar um grupo de leitores beta, enviar newsletters de bastidores ou partilhar curiosidades são formas simples de envolver a comunidade ao longo do processo criativo e editorial.
5. Criar canais próprios e captar dados com ética
Depender exclusivamente das redes sociais é um risco. A construção de bases de dados próprias, newsletters e sites temáticos dá às editoras um canal directo e duradouro com os leitores, reforçando a independência e o controlo sobre a relação.
6. Pensar em conteúdos além do livro (e não apenas sobre o livro)
Criar valor não passa apenas por falar da obra, mas por expandir o universo da leitura: clubes, quizzes, entrevistas, playlists, infográficos, eventos, mapas, receitas… O conteúdo é o meio para prolongar a experiência do leitor.
7. Medir, testar e optimizar continuamente as acções realizadas
Campanhas de marketing devem ser acompanhadas de perto: o que funcionou, o que não funcionou, o que pode ser optimizado. Com ferramentas acessíveis, é possível testar abordagens diferentes e ajustar o plano em tempo real.
Conclusão: O Equilíbrio entre Edição e Comunicação
O livro continua a ser um dos objectos culturais mais poderosos da humanidade. Mas precisa de novas formas de ser comunicado, vivido e partilhado.
Tão importante como o cuidado colocado na edição de uma obra, é o investimento feito na sua divulgação. Sem marketing, mesmo o melhor dos livros corre o risco de passar despercebido. Uma obra extraordinária que ninguém sabe que existe não cumpre o seu propósito.
Por isso, defendo com convicção que as editoras devem evoluir para modelos mais robustos, com equipas de marketing especializadas, que dominem os canais, as tecnologias e as metodologias capazes de ligar obras a públicos, autores a comunidades, cultura a relevância.
O marketing não é um extra. É uma ponte entre a obra e o leitor. Uma ponte que precisa de ser pensada com rigor, construída com empatia e mantida com consistência.
A AMD – Associação Portuguesa de Marketing Directo e Digital continuará a estar disponível para apoiar esta transformação com conhecimento técnico, visão estratégica e um compromisso claro com a valorização do livro, do autor e da cultura.