A Chave-mestra Está na Linguagem

Clotilde Perez e a Força da Semiótica no Marketing

Entrevista à Professora Clotilde Perez sobre Semiótica em Marketing Directo e Digital

Por ocasião da sua passagem por Portugal, para participar como keynote speaker na 1.ª Conferência Ibero-Americana de Publicidade com a palestra “Publicidade (re)imaginada – uma perspectiva semiótica”, tivemos o privilégio de entrevistar a Professora Clotilde Perez para o Blog da AMD.

Especialista em semiótica, professora universitária, investigadora, consultora e autora de referência no universo da comunicação de marcas e do consumo, a Professora Clotilde Perez tem vindo a desenvolver uma visão profundamente humanista e crítica sobre o papel dos signos na construção do imaginário colectivo, da identidade das marcas e da experiência de consumo.

Ao longo desta entrevista, partilha connosco, com clareza e generosidade, ideias valiosas sobre a aplicação prática da semiótica no marketing directo e digital, os erros mais comuns cometidos pelas marcas, o papel do design thinking, os sinais culturais emergentes e até a importância das linguagens partilhadas no sucesso de campanhas personalizadas.

Uma leitura indispensável para quem acredita que o marketing pode e deve ir muito além da superfície das mensagens.

Mais informações sobre a conferência: https://confpub25.fcsh.unl.pt/

Professora Clotilde Perez: LinkedIn

Entrevista

Como pode a semiótica ajudar o marketing directo e digital, especialmente no contexto actual de saturação de meios e de mensagens?

A semiótica é uma teoria e um método de pesquisa que permite revelar a potencialidade comunicativa de todo o qualquer signo (sonoro, visual, verbal, tátil...) em qualquer contexto. Nesse sentido, possibilita tanto a compreensão dos efeitos potencialmente gerados – o que previne problemas/erros/incompreensões na recepção – quanto é capaz de fornecer repertório sígnico amplo e profundo subsidiando processos criativos de marcas, por exemplo.

Quais os erros semióticos mais comuns que as marcas cometem ao comunicar nos meios digitais?

O erro mais comum é oferecer criações (publicidade, marcas, embalagens, displys, cenários, posts etc.) a partir do repertório sígnico restrito dos criativos, desconsiderando a inevitável ampla potencialidade comunicativa do signo dinamizado na sociedade.

Imagem conceptual representando semiótica

Quais os sinais emergentes nas tendências de consumo, que os profissionais de marketing devem observar?

Todas. Desde aquelas conectadas ao “bem-estar” como valor, até questões mais complexas que envolvem aspectos afetivos, de pertencimento e afeto (adesão aos labubus ou aos bebês reborn são alguns dos bons exemplos de manifestações recentes) e tecnológicos (adesão/rejeição às novas tecnologias).

De que modo o design thinking pode apoiar a jornada do cliente e a criação de campanhas?

Design thinking é uma ferramenta, talvez até seja possível considerá-la uma metodologia criativa focada na resolução de problemas concretos da vida das pessoas. Parte de uma profunda imersão na ambiência sensível das pessoas (etnografia, netnografia, observação participante...), passando pela identificação do problema, ideação (uso de ferramentas como brainstorming, mapas conceituais, projeções...), produção (prototipagem, modelagem...), testagem (verificação e correções), implementação e aprendizado (processo contínuo de aperfeiçoamento). Por isso, é um caminho muito consequente na construção de campanhas publicitárias e certamente, na compreensão da jornada dos clientes (principalmente em sua fase inicial.

Pode partilhar exemplos de marcas que conseguiram construir uma relação emocional duradoura com os seus públicos através de signos consistentes ao longo do tempo?

Uma marca muito consistente é a Natura. Empresa brasileira, já internacionalizada, que existe há 60 anos, que desde o início teve seu foco de produtos e marca voltados para as questões da sustentabilidade, da brasilidade e das relações (entre as pessoas). Há ainda hoje total consistência em todos os aspectos expressivos da marca, como o slogan “Bem estar bem”, passando por nomes de marca como EKos (priprioca, breu-preto, maracujá, castanha do Pará...), Chronos, Sou, Ryos, Una ... cores terrosas, verdes diversos etc.; incluindo linhas de produto (Mamãe e Bebê, Papai e Bebê, Colônia VoVó, Tododia, Faces...), serviços, posicionamentos corporativos e sociais. É possível identificar Natura em pequenos fragmentos dos seus produtos e de sua comunicação pela força, consistência e recorrência dos signos identitários mais potentes da marca.

Que sinais culturais ou sociais deve uma marca observar antes de lançar uma campanha personalizada, para evitar dissonâncias ou interpretações negativas?

Quando falamos de cultura, entramos em dimensões mais locais, portanto, qualquer resposta pode ser equivocada se não contemplar esta visão de “dentro”. Ainda assim, posso arriscar um encaminhamento que leva a importância da compreensão acerca das linguagens partilhadas dos seus públicos de interesse. Por linguagem entendo todas as formas comunicacionais de expressão de ideias ou sentimentos por meio de signos verbais, sonoros, gráficos, gestuais... Entender como as pessoas se comunicam é a chave-mestra para evitar dissonâncias e interpretações indesejáveis por parte das audiências-clientes etc.

De que forma a análise semiótica pode ajudar uma PME portuguesa a diferenciar-se num mercado saturado, sem recorrer a grandes orçamentos publicitários?

A semiótica é muito rentável para identificar potencialidades comunicativas a partir de criações (de marcas, anúncios, embalagens, páginas etc.) e também para ampliar repertórios signicos partindo dos efeitos desejados (o que se pretende gerar: jovialidade, sustentabilidade, tradição etc.). No primeiro caso, se bem aplicada, a semiótica é capaz de identificar toda a potencialidade comunicativa dos signos em análise, inclusive, no limite, dispensa qualquer investigação de recepção uma vez que a semiótica deverá evidenciar como os consumidores avaliam o signo. No segundo caso, sabendo-se onde se quer chegar (qual efeito pretendido), a semiótica oferecerá um repertório significo adequado a essa comunicação com total eficiência (cores, linhas, formas, texturas, gestos, tom de voz, signos verbais etc.).

Que recomendações daria a uma marca que procura alinhar o seu discurso institucional com os valores da transparência, da ética e da protecção de dados?

As recomendações são para inicialmente compreenderem o que “transparência”; “ética” e “proteção” significam (na cultura portuguesa). A partir deste entendimento profundo, criar o repertório sígnico que têm a capacidade de comunicá-los em sua potência e com mais eficiência. Quais são as cores da proteção? Quais as melhores palavras que expressam ética? É possível comunicar transparência com qual signo visual? Há uma sonoridade para a proteção? Essas são respostas a que um estudo semiótico que chamamos “Universo de sentido” é capaz de oferecer.

AMD

AMD | Associação Portuguesa de Marketing Directo e Digital

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